segunda-feira, 25 de agosto de 2014

Semeando aFEtos em Cabo Verde…

Semeando aFEtos em Cabo Verde…

Saí de Portugal no dia 25 de Julho. Na bagagem levava roupas, ofertas, medos e ansiedades. Ficámos hospedados no Centro Paroquial de Nossa Senhora da Graça, em quartos que foram salas de aula mas que se encheram de camas para nos receber. Na casa de banho tivemos o primeiro choque com a realidade. Baratas com cerca de 5 cm percorriam o chão e as paredes… Começaram aí as minhas superações, com o coração cheio de expectativas pela aventura que começava.
Na primeira comunidade, Castelão, a Eucaristia começava às 7h30 e não acontecia todas as semanas. Não havia igreja. A Eucaristia era celebrada no pátio do Centro de Dia e as pessoas levavam os bancos de casa, transportando-os à cabeça. A essa hora estava aquele espaço repleto de gente que vinha celebrar a sua fé. Nesta comunidade, tal como nas de Achada Grande Frente e Achada Grande Trás, fiquei muito sensibilizada com a qualidade dos coros, com as celebrações em português e crioulo, com a afabilidade das pessoas que nos cumprimentavam sem nos conhecerem…
O nosso dia no bairro começava com uma volta à comunidade com as crianças onde cantávamos e animávamos as pessoas que andavam pelas ruas. Depois rezávamos os Bons Dias, a oração da manhã. Tínhamos então atividades que variavam de acordo com o tema que estipulámos para cada dia, sendo o tema geral “Ser feliz”. De tarde regressávamos às atividades e terminávamos o dia com a Eucaristia às 18h00 na qual participavam todos os meninos e algumas pessoas da comunidade.
Cedo nos deparámos com necessidades básicas que eram sentidas pelas comunidades mas principalmente pelos “piquenotes”. A água era um bem escasso, sendo que a comunidade de Castelão não o tinha há mais de uma semana. Alguns meninos pediam-nos comida por não terem que comer. Muitos pediam-nos água. Decidimos então começar a distribuir água aos “mininos” duas vezes por dia.
O que mais me impressionou foi a confiança e a entrega cheia de esperanças destes miúdos, que não nos conheciam de lado nenhum e se agarravam a nós como se ali tivéssemos estado toda a vida. Os meninos andavam tão sujos… As roupas rotas, cheios de pó, rodeados de moscas… Basta que nos toquem para que fiquemos com a sua marca nas nossas mãos. Quando distribuíamos alguma coisa os grandes passavam por cima dos mais pequenos, num instinto de sobrevivência muito marcado nestas crianças… Porque são crianças, embora normalmente não tenham tempo para o ser… Muitas meninas passam o dia com as irmãs ou primas ao colo ou às costas porque estão responsáveis por elas. Se há coisa de que me orgulho e com a qual me alegro, é o facto de termos permitido nesta semana que estas crianças tenham tido oportunidade de ser crianças, com tempo para brincar, aprender, conviver e viver despreocupadamente…
No fim de cada semana fazíamos a festa “Ser felizes com D. Bosco”. As comunidades ofereceram-nos sempre um almoço no dia da festa: a tradicional “Catchupa rica” ou “Massa di milho”. Senti-me mimada e acarinhada por aquela gente a quem nos entregámos de coração e que nos deu muito mais do que lhes demos. Foi tão bom sentir que aquelas pessoas estavam tão agradecidas que partilhavam connosco o pouco que tinham.
As despedidas eram arrepiantes. Todas as pessoas nos abraçavam, beijavam, despediam-se de nós… Muitos meninos choravam… Senti que não tínhamos mudado o mundo, mas durante aquela semana tínhamos feito a diferença para aquelas crianças e para aquela comunidade.
É impressionante como chegámos a Cabo Verde de coração aberto, prontos para nos darmos e recebemos cem vezes mais em abraços sinceros, sorrisos verdadeiros, carinhos dados por crianças que não nos conheciam de lado nenhum mas que se entregaram mais do que nós.
Semeámos muitos aFEtos pelos bairros onde trabalhámos. Trouxemos a bagagem cheia de frutos do Amor daqueles que nos receberam e Daquele que nos enviou.


Joana Romeiro Valente