Semeando
aFEtos em Cabo Verde…
Saí
de Portugal no dia 25 de Julho. Na bagagem levava roupas, ofertas, medos e
ansiedades. Ficámos hospedados no Centro Paroquial de Nossa Senhora da Graça,
em quartos que foram salas de aula mas que se encheram de camas para nos
receber. Na casa de banho tivemos o primeiro choque com a realidade. Baratas
com cerca de 5 cm percorriam o chão e as paredes… Começaram aí as minhas
superações, com o coração cheio de expectativas pela aventura que começava.
Na
primeira comunidade, Castelão, a Eucaristia começava às 7h30 e não acontecia
todas as semanas. Não havia igreja. A Eucaristia era celebrada no pátio do
Centro de Dia e as pessoas levavam os bancos de casa, transportando-os à
cabeça. A essa hora estava aquele espaço repleto de gente que vinha celebrar a
sua fé. Nesta comunidade, tal como nas de Achada Grande Frente e Achada Grande
Trás, fiquei muito sensibilizada com a qualidade dos coros, com as celebrações
em português e crioulo, com a afabilidade das pessoas que nos cumprimentavam sem
nos conhecerem…
O
nosso dia no bairro começava com uma volta à comunidade com as crianças onde
cantávamos e animávamos as pessoas que andavam pelas ruas. Depois rezávamos os
Bons Dias, a oração da manhã. Tínhamos então atividades que variavam de acordo
com o tema que estipulámos para cada dia, sendo o tema geral “Ser feliz”. De
tarde regressávamos às atividades e terminávamos o dia com a Eucaristia às
18h00 na qual participavam todos os meninos e algumas pessoas da comunidade.
Cedo
nos deparámos com necessidades básicas que eram sentidas pelas comunidades mas
principalmente pelos “piquenotes”. A água era um bem escasso, sendo que a
comunidade de Castelão não o tinha há mais de uma semana. Alguns meninos
pediam-nos comida por não terem que comer. Muitos pediam-nos água. Decidimos
então começar a distribuir água aos “mininos” duas vezes por dia.
O
que mais me impressionou foi a confiança e a entrega cheia de esperanças destes
miúdos, que não nos conheciam de lado nenhum e se agarravam a nós como se ali
tivéssemos estado toda a vida. Os meninos andavam tão sujos… As roupas rotas,
cheios de pó, rodeados de moscas… Basta que nos toquem para que fiquemos com a
sua marca nas nossas mãos. Quando distribuíamos alguma coisa os grandes passavam
por cima dos mais pequenos, num instinto de sobrevivência muito marcado nestas
crianças… Porque são crianças, embora normalmente não tenham tempo para o ser… Muitas
meninas passam o dia com as irmãs ou primas ao colo ou às costas porque estão
responsáveis por elas. Se há coisa de que me orgulho e com a qual me alegro, é
o facto de termos permitido nesta semana que estas crianças tenham tido
oportunidade de ser crianças, com tempo para brincar, aprender, conviver e
viver despreocupadamente…
No
fim de cada semana fazíamos a festa “Ser felizes com D. Bosco”. As comunidades
ofereceram-nos sempre um almoço no dia da festa: a tradicional “Catchupa rica”
ou “Massa di milho”. Senti-me mimada e acarinhada por aquela gente a quem nos
entregámos de coração e que nos deu muito mais do que lhes demos. Foi tão bom
sentir que aquelas pessoas estavam tão agradecidas que partilhavam connosco o
pouco que tinham.
As
despedidas eram arrepiantes. Todas as pessoas nos abraçavam, beijavam,
despediam-se de nós… Muitos meninos choravam… Senti que não tínhamos mudado o
mundo, mas durante aquela semana tínhamos feito a diferença para aquelas
crianças e para aquela comunidade.
É
impressionante como chegámos a Cabo Verde de coração aberto, prontos para nos
darmos e recebemos cem vezes mais em abraços sinceros, sorrisos verdadeiros,
carinhos dados por crianças que não nos conheciam de lado nenhum mas que se
entregaram mais do que nós.
Semeámos
muitos aFEtos pelos bairros onde trabalhámos. Trouxemos a bagagem cheia de
frutos do Amor daqueles que nos receberam e Daquele que nos enviou.
Joana
Romeiro Valente